Crítica - Das Weisse Band (The White Ribbon) (2009)


Realizado por Michael Haneke
Com Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch

O vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009, “Das Weisse Band”, chegou finalmente aos cinemas portugueses, no entanto, esta fantástica estreia é inegavelmente arruinada pela sua fraquíssima distribuição, porque é completamente inaceitável que um vencedor de um dos mais prestigiados galardões da sétima arte esteja apenas disponível em duas cidades e em quatro cinemas, um verdadeiro ultraje que infelizmente é demasiado comum em Portugal e no Mundo, porque também nos principais mercados internacionais (América do Norte e Ásia), “Das Weisse Band” foi miseravelmente distribuído, excepção feita aos principais mercados europeus (França, Alemanha e Reino Unido) que trataram com respeito e dignidade esta misteriosa produção dramática que foi elogiada e aclamada pela crítica internacional.


O cinema europeu é próspero em talentosos cineastas que regularmente nos apresentam longas-metragens de altíssima qualidade, Michael Haneke não é excepção. Os seus últimos trabalhos foram razoavelmente positivos, mas nenhum se compara a “Das Weisse Band”, uma engenhosa representação subjectiva da ideologia fascista. A tempestuosa acção desta produção decorre durante os quinze meses que precedem a Primeira Guerra Mundial numa pequena aldeia alemã (Eichwald), que subitamente é assolada por vários incidentes que vão retirar os seus habitantes da monotonia a que se habituaram ao longo dos anos. O relato desses misteriosos episódios é feito por um narrador que presenciou e investigou alguns desses factos devido à sua qualidade de professor da escola da aldeia e que, ao fim de tantos anos, tenta encontrar fundamentos e justificações para esses actos e para os acontecimentos e comportamentos políticos que posteriormente afectaram a história do seu país, acontecimentos esses que apresentam algumas desconcertantes semelhanças com as atitudes das principais figuras politicas da aldeia em questão.
A alegórica narrativa de “Das Weisse Band” utiliza os estranhos acontecimentos que perturbaram o quotidiano da aldeia alemã e as consequências sociais e politicas que deles advieram, para desenvolver um interessante paralelismo com o que realmente aconteceu durante a subida de Adolf Hitler ao poder. A comparação pode parecer absolutamente ridícula devido à enorme diferença das suas respectivas dimensões sociológicas, mas a verdade é que Michael Haneke conseguiu explicitar, em traços muito genéricos e subjectivos, como é que a população alemã consentiu durante décadas as atrocidades fascistas.


Os habitantes da pequena localidade são comandados por três homens extremamente influentes que pertencem a diversos sectores culturais e profissionais. Esses homens controlam a população através da religião e da política, mas esse controlo, muitas vezes abusivo, nunca é contestado. A certa altura essas proeminentes figuras são vitimas de ataques contra à sua pessoa ou contra os seus entes queridos, esses ataques não são extremamente graves ou perigosos mas conseguem provocar alguns danos físicos e morais às entidades que impiedosamente controlam os destinos da aldeia, no entanto, nenhum habitante dessa localidade tem a coragem ou a perspicácia de compreender e revelar os motivos que originaram esses ataques estratégicos, excepção feita ao narrador da história que compreende as suas razões e identifica os prováveis culpados, no entanto, a sua investigação é subitamente travada e silenciada pelos grandes senhores da localidade que, apesar dos ataques sofridos, preferem manter a sua população às escuras e completamente alheia à horripilante verdade, muito embora seja perfeitamente perceptível que muitos dos habitantes conheciam a identidade dos culpados mas permitiram que eles continuassem o seu trabalho, porque estavam a castigar os responsáveis por inúmeras desgraças que de qualquer outra forma não seriam castigados devido aos seus elevado estatutos. Os acontecimentos descritos revelam claras semelhanças com as circunstancias que envolveram a população alemã durante a Segunda Guerra Mundial, porque também durante esse tempo as investigações eram silenciadas e os alemães vivam sob uma verdadeira ditadura que os oprimia psicologicamente através de falsas moralidades e propagandas enganosas, um pouco como faziam os três grandes senhores da aldeia. Os próprios ataques ao poder central lembram as tentativas falhadas de homicídio das grandes figuras do estado fascista, tentativas essas que reuniram a simpatia interior mas a revolta exterior dos alemães, no entanto, o verdadeiro paralelismo reside no facto dos habitantes da aldeia terem protegido descaradamente os responsáveis pelos ataques, da mesma forma que os alemães protegeram durante décadas, os inúmeros responsáveis pelas atrocidades da politica fascista. Chegamos portanto à conclusão que ambas as populações preferiram encobrir os criminosos e as suas acções porque as pessoas afectadas não mereciam justiça ou piedade, assim sendo, os lideres da aldeia não mereciam justiça da mesma forma que as raças inferiores não mereciam conviver com um povo historicamente superior.


À margem dos paralelismos políticos e históricos também encontramos outras mensagens igualmente importantes, como por exemplo, as inúmeras estratégicas utilizadas pelos habitantes da localidade para encobrirem os seus verdadeiros sentimentos e desejos carnais através de um comportamento aparentemente normal e sociável que é regido pelas regras da educação religiosa. É extremamente interessante vermos como é que homens de grande importância descomprimem os seus desejos e os seus impulsos através de praticas vergonhosas, como a pedofilia ou a violência. A forma como Michael Haneke expõem e disseca impiedosamente os fundamentos culturais e familiares da Alemanha do início do século vinte também é fenomenal. É durante essas dissecações culturais que somos apresentados às histórias secundárias e individuais dos habitantes de Eichwald, histórias essas que são deliciosamente cativantes porque nos oferecem uma excelente variedade de dramas pessoais que são tão intensos que nos fazem negligenciar o verdadeiro enfoque desta longa-metragem.
Os diálogos de “Das Weisse Band” são violentos e intelectuais, sendo impossível ficar à margem de qualquer acontecimento ou de qualquer emoção. É graças aos diálogos e às narrações que conseguimos chegar a uma conclusão implícita dos múltiplas vertentes da história, porque o argumento desta produção não nos oferece uma verdadeira e explicita conclusão. O argumento também não nos fornece uma concreta explicação da simbologia dos laços brancos que estão presentes no título do filme, mas conseguimos depreender facilmente que o sentido está ligado à pureza e à inocência das pessoas, duas características que aparentemente não fazem parte do íntimo da população de Eichwaldou da Alemanha. A história de “Das Weisse Band” termina com uma breve esperança de justiça e com o acontecimento que despontou a Primeira Guerra Mundial, um conflito que impulsionou o crescimento do fascismo na Alemanha.


A história é retratada através de imagens a preto e branco, uma opção criativa de Michael Haneke que realça a escuridão psicológica das personagens, mas que também permite realçar os laços brancos e os pequenos momentos de clarividência que afectam o narrador. O visual de “Das Weisse Band” não é tão imponente ou significativo como o seu argumento, mas também não é nenhuma desgraça qualitativa. As composições musicais que acompanham a narrativa são subtis mas agradáveis e cumprem a sua função. O elenco é absolutamente fenomenal. As crianças Maria-Victoria Dragus (Klara) e Leonard Proxauf (Martin) assumem duas performances irrepreensíveis que certamente provocam alguns ciúmes a vários profissionais norte-americanos. O premiado Burghart Klaussner também nos apresenta uma sublime prestação artística na pele de um clerigo demasiado humano. Susanne Lothar (Parteira) e Christian Friedel (Narrador) também nos oferecem dois desempenos muito agradáveis.
A vitória de “Das Weisse Band” no Festival de Cannes foi completamente merecida e não colocaria de lado uma possível vitória nos Óscares na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. O novo trabalho de Michael Haneke é um verdadeiro desafio à intelectualidade e à subjectividade dos espectadores, no entanto, apenas aqueles que apreciem produções complexas é que deverão apreciar esta obra-prima na sua total magnificência.
Classificação – 5 Estrelas Em 5

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