Critica - The Conversation (1974)

Realizado por Francis Ford Coppola
Com Gene Hackman, John Cazale, Allen Garfield e Harrison Ford

Filme aclamado na década de 1970, tido como quase visionário, pouco tempo antes de rebentar o escândalo Watergate, este The Coversation é mais uma daquelas pérolas do bom cinema americano e do seu período mais experimentalista. Classificado como thriller de conspiração, este exercício sobre o avanço tecnológico e sua influência no comportamento humano, é um pequeno filme fruto do trabalho árduo de um Francis Ford Coppola com muito poder na indústria depois do sucesso estrondoso dos primeiros capítulos da trilogia The Godfather (The Godfather, 1972 e The Godfather II, 1974), sendo portanto um dos seus projectos mais intimistas de sempre. Coppola apresenta-nos pois um belíssimo exercício de cinema, construído, do ponto de vista da realização, a partir do interior para o exterior, tendo como pano de fundo a ameaça da vigilância electrónica, criando uma teia de intrincadas significações que envolvem a audiência e jogando com as suas próprias interpretações daquilo que se lhe afigura na tela.
Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1974, The Conversation tem como ponto fulcral as personagens e a forma como estas nos são apresentadas ao longo da obra. Aqui com um Gene Hackman num dos seus papeís mais brilhantes, pelo nível de comedimento e instrospecção que propaga. O seu Harry Caul é um homem que receia dar-se a conhecer e, consequentemente, é um homem só, dedicando todo o seu tempo ao trabalho e a praticar no seu quarto. Um isolamento que arrepia e que acabará por marcar a década de 70 no cinema Norte-Americano, que culmina com um perturbante Travis Bickle no Taxi Driver de Martin Scorsese. Harry Caul é um perito em técnicas de vigilância e, após ter sido contratado pelo director de uma empresa para gravar a conversa de um casal, composto por dois dos seus funcionários, começa a suspeitar que do seu trabalho poderá resultar a morte de ambos e fantasmas do seu passado voltam para lhe assombrar a consciência. E aqui reside precisamente a principal ironia de todo o filme, e o seu tema principal: a centralidade de um homem que, tudo ouvindo, vive com um isolamento e uma solidão profundos, mergulhado numa esquisófrenia surda perturbante. Este especialista em espionagem e escutas é uma máquina, uma extensão da sua profissão, um homem reservado, anónimo, fechado na privacidade do seu apartamento e na relação casual que mantém com uma amante, a quem não parece dar a mínima importância. Acompanhamos, ao longo da película, a sensaboria do seu percurso.
Coppola, com o seu brilhante argumento e, talvez, com a sua melhor realização de sempre, consegue precisamente transmitir essa sensaboria, deixando a mensagem de que a vida daquele homem ganha apenas alguma emoção no momento em que acompanha as vidas daqueles que vigia. O voyeurismo da sua profissão surge combinado com o vazio da sua privacidade, criando na audiência um desconforto óbvio. Fica, assim, criado o tom do filme, apoiado numa narrativa que gira em torno de uma conversa mal interpretada. Projectando o seu isolamento para uma escuta em que trabalha -- essa simples conversa entre duas pessoas no meio de uma multidão -- Caul cria um conjunto de obsessões que o levam a concentrar toda a sua atenção nesse trabalho em especifico. A obsessão de Caul começa no momento em que edita as escutas que foi reunindo. Ouvindo vezes sem conta as cassetes, vai ajustando o som até conseguir captar palavras no meio dos diferentes ruídos que camuflam a conversa. Movido pela solidão que o acompanha, a personagem de Hackman começa a criar uma história sua, com traços de terror e tragédia iminentes, passando a viver em função daquilo que acredita ter ouvido e com a expectativa de que possa alterar o rumo dos acontecimentos. The Conversation é montado brilhantemente por Coppola, recriando engenhosamente o próprio acto de interpretação que inconscientemente todos fazemos quando não temos a informação toda disponível e levando-nos, estranhamente, a simpatizar com esta personagem que domina o ecrã e cujos traços distintivos são ao mesmo tempo tão repulsivos quanto atractivos.
O desfecho do filme será muito Hitchcockiano, mimicando a espaços, na sua toada, o Antonioni de Blow Up -- repare-se na predominância dos planos gerais entrecurtados pela privacidade da vida de Caul, acompanhados pela sucessão de acontecimentos simples e inexplicáveis -- reforçando-se dessa forma a intensidade dramática do conflito que subliminarmente se adivinha ao longo de toda a narrativa. The Conversation não nos traz uma narrativa simples, mas, ao mesmo tempo, e como grande obra de arte que é, ilustra a simplicidade do comportamento humano, da contínua procura de sentidos que todos fazemos. Reproduz os significados que se perdem no nosso quotidiano, os mal entendidos e as pequenas conversas que ocasionalmente apanhamos no metro. Elementos com que todos lidamos e aos quais não damos importância, podendo ser partes integrantes de um qualquer plano alargado que poderá influenciar a nossa vida, sem que saibamos. É precisamente essa a força dramática deste filme: a capacidade de Coppola em captar a complexidade das emoções humanas.

Classificação - 5 Estrelas Em 5

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