Crítica - A Chorus of Disapproval (1989)

Realizado por Michael Winner
Com Anthony Hopkins, Jeremy Irons, Richard Briers, Barbara Ferris

Numa altura em que Anthony Hopkins parece estar consagrado como valor seguro de Hollywood e como um dos melhores actores da sua geração, é sempre bom recordar alguns dos seus papéis anteriores à sua entrada pela porta grande em Hollywood. A Chorus of Disapproval, filme britânico de 1989, apesar de certamente não ser um dos primeiros filmes de Hopkins (nem melhor, de longe), é marcante, precisamente, pela sua interpretação. Os anos 80 são decisivos na carreira do Anthony Hopkins-estrela internacional de cinema. Depois de confirmado como um dos melhores talentos de sempre no teatro inglês, o actor nascido no País de Gales em 1937, decide dar o salto para o cinema Norte-Americano. Chegando tarde ao mainstream, depressa assegura o seu percurso, entrando em diversos filmes que o tornariam icónico. Este pequeno filme é isso mesmo: um pequeno filme que, sem grandes elementos que o elevem particularmente, instintivamente deixa vincado na audiência as marcas da escola britânica de teatro, com dois protagonistas que viriam influenciar gerações de actores e actrizes em Hollywood.
Adaptação, diria, fracassada, de uma peça teatral de Sir Alan Ayckbourn (1984), A Chorus of Disapproval marca assim um período de transição na carreira de Anthony Hopkins. Decidido que estava em entrar em Hollywood, que melhor escolha para um actor de teatro do que um filme, adaptado de uma peça da autoria de um dos nomes maiores do teatro inglês, e, melhor ainda, que tem como espaço central não só uma peça como também todo um mundo relacionado com o teatro? A escolha foi acertada para Hopkins (e Jeremy Irons), apesar de o filme não ter deixado grande legado. Michael Winner – realizador inglês habituado sobretudo a filmes de acção menores –, apostando num percurso alternativo para a sua carreira, acreditaria certamente que partindo de um texto forte e reunindo um leque de actores com carreira teatral seria o suficiente para ter um sucesso garantido. Tal não aconteceu, ainda mais porque o filme foi retirado do mercado logo na estreia devido a conflitos entre produtores. Ainda assim, Anthony Hopkins fez da melhor forma possível a transição. Não sendo o seu primeiro filme com investimento americano – recorde-se que Hopkins entrou no filme de culto The Elephant Man do então estreante David Lynch (1974) –, é seguramente o trabalho que lhe dá visibilidade nos EUA.
A Chorus of Disapproval tem como fio condutor uma companhia de teatro amadora, sediada numa cidadezinha costeira de Inglaterra chamada Scarsborough, que luta por produzir uma versão de "A Beggar's Opera" (John Gay). Anthony Hopkins interpreta o encenador dessa produção, um galês nada convencional, chamado Dafydd Ap Llewellyn. Numa engenhosa interpretação, o actor encarna de corpo e alma a personagem, com um registo cómico, dramático e intempestivo ao mesmo tempo, enchendo por completo a tela. Do outro lado temos um não menos espantoso Jeremy Irons, na pele de Guy Jones, um viúvo sem esperança, empregado de uma grande firma londrina que é relegado para aquela pequena comunidade como castigo – assim acredita ele. Após ver um anúncio de um jornal local, remetido pela companhia de teatro, a pedir actores amadores, Jones resolve seguir esse caminho, aproximando-se assim de Dafydd e do seu palco. Progressivamente, o filme vai caminhando para aquilo que é a peça original com o mesmo título – uma "farsa", subgénero muito popular em teatro mas nem tanto no cinema. Um trio (ou quadra) amoroso desenvolve-se, quando Guy Jones conhece Fay (Jenny Seagrove), que interpreta na peça uma prostituta, e Hannah (Prunella Scales), mulher de Dafydd, com quem mantém um caso. O recanto de regeneração pessoal que Jones encontra no teatro consuma-se, mas a tensão conflitual com o encenador aumenta até final, num violento crescendo psicológico. Jones é, afinal, o intruso na comunidade e, sobretudo, no mundo egocêntrico e criativo de Dafydd. Será então a relação entre ambos os personagens que estará no centro da trama. Jones e Dafydd são opostos – Jones é o estereótipo do inglês, comedido, reservado, introspectivo, enquanto que Dafydd é expressivo, expansivo e espontâneo. A juntar a isso, temos dois personagens que vivem o mundo de forma diferente. Dafydd é agarrado à sua tradição, é um homem de palco que vive "no" e "para" o palco, revestindo tudo o que diz e faz de teatralidade, apenas reforçado pelo sotaque gaélico que tanto preserva, vincadíssimo. É um homem angustiado e que por vezes chega a um quase estado de loucura, tudo porque ressente o facto de ter de trabalhar com amadores. Jones, por sua vez, vê-se confrontado com a morte recente da mulher, bem como com o insucesso profissional. De certa forma, é um personagem amargurado pela vida, mas que, ao mesmo tempo, parece não o saber. O teatro passa a ser o elemento que une ambas as personagens e que, de certa forma, reúne as histórias de vida, para as transformar.
Em teoria, vários são os temas abordados pelo filme, desde a complexidade das relações humanas, passando pela vida, o acto criativo ou o conflito entre província e cidade/metrópole, com tudo o que isso implica. Na prática, todavia, a credibilidade do texto acaba por se perder. Apesar do potencial criativo do argumento, o filme acaba por falhar, já que a dimensão interpretativa e conceptual que se consegue em teatro dificilmente passa para a tela. Winner corta – literalmente – momentos decisivos do texto de Ayckbourn, caindo no erro de querer condensar a peça em vez de criar um produto por si só. Ficam porém os desempenhos interpretativos tanto de Hopkins como de Irons, já que seguram o filme até final, respirando ambos a emoção que é essencial neste tipo de produtos, para que não caiam em comédia pura. Sim, porque este pequeno filme tem traços de comédia negra, com intensos textos, entregues aqui e ali com o tom e intensidade certos. É, sem dúvida, um daqueles filmes paradigmáticos para quem, como eu, gosta de Anthony Hopkins, já que o actor impregna este personagem de uma intensidade dramática tão poderosa que ele passa a existir fora do filme, em cada pessoa que encontramos por aí. A Chorus of Disapproval pode mesmo ser entendido como um sumário perfeito daquilo que viria a ser – e continua a ser – a carreira de Hopkins. Por um lado, temos a face e respiração do teatro na sua vida. O actor é, sobretudo, um homem do teatro, da escola britânica que tanto tem dado ao mundo do cinema. Por outro lado, temos naturalmente o brilhante actor, compositor de personagens tão icónicas quanto a de Hannibal Lecter. Este seu Dafydd é isso mesmo – um Lecter inicial, um homem transfigurado e intenso à sua maneira. Depois, claro, podemos aqui encontrar as raízes gaélicas de Anthony Hopkins. O actor fala recorrentemente em gaélico, algo que ajuda a elevar a personagem a uma categoria própria. Em suma, filme a ver, ou rever, pelos fãs de Anthony Hopkins.

Classificação - 5 Estrelas Em 5

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